Publicado em 03/11/2018

Por Mariana Souza

O filme de Beatriz Seigner nos conduz por águas escuras. Los Silencios é um filme sobre  fugas. A fuga para longe da guerra. A fuga de encarar o luto e o sofrimento. A fuga para um possível paraíso. Através das águas somos conduzidos por essas rotas de fuga. Num pequeno barco, Amparo leva o que restou de sua família. As tensões políticas da guerra na Colômbia e a busca por um novo refúgio são o pano de fundo da história. Estratégia narrativa recorrente quando o desejo é abordar conflitos políticos sem falar diretamente deles. Retratar subjetivamente o que é externo e move os sujeitos.

A ilha – o não lugar – é onde encontramos as personagens. Há quem sempre esteve na ilha e há aqueles a quem a ilha foi o que restou. A fala das personagens dá ao filme, em alguns momentos, um ar documental. O real e o fictício misturam-se. A estória é inspirada na História. Dos moradores de Tabatinga e de tantos outros lugares. O não lugar é lugar existente. É matéria.

A fala tem poder. No filme, é através dela que os mistérios se explicam. O silêncio é o lugar do luto, uma tentativa de fuga da dor. Quando os silêncios se rompem, as dores são encaradas. A figura de Nuria é síntese disso. A garota que está sempre ao lado da mãe, Amparo, parece invisível. Seu silêncio guarda todas as chaves. É ela que vê pela primeira vez a aparição do pai desaparecido e acompanha de perto a trajetória da mãe em busca de um futuro possível. 

Lembro-me então da música Mama Says, da dupla franco-cubana Ibeyi. A cria – substantivo feminino – preocupa-se com a sobrevivência da mulher que está só e por isso continua a seu lado. Enrique Diaz, como o pai desaparecido, também guarda o silêncio. Sua voz, no entanto, faz-se ouvir no comportamento do pequeno Francisco, segundo filho da família, e é a razão de novas tensões na vida de Amparo. As aparições de Nuria e Diaz são polarizadas inversamente e são tensionadoras das imposições de gênero.

O acalanto da sequência final acontece com a reunião dos mortos e vivos nas mesmas águas. A ilha se torna uma metáfora de resistência contra o esquecimento. A ilha pode ser qualquer lugar. E as pessoas ficam. Resistem.




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