Publicado em 07/11/2018

Por: Mariana Isis 

O Estação Net Rio exibiu na noite desta quarta-feira (07/11) pela Première Brasil: Novos Rumos o curta Invasão Drag e o longa Mormaço. O primeiro, como o título já anuncia, retrata uma nova geração de drag queens em busca de mais visibilidade. Já Mormaço conta a história de Ana, uma defensora pública de 32 anos que luta contra a remoção da comunidade da Vila Autódromo durante as obras do Parque Olímpico no Rio de Janeiro em 2016. Assim, manchas estranhas começam a aparecer em seu corpo. 

Houve um debate com o mediador Hernani Heffner, a diretora Marina Meliande, o roteirista Felipe Braga, o fotógrafo e produtor de locação André Mantelli, a diretora de arte Dina Salem Levy e a atriz Sandra Maria. Hernani Heffner achou interessante a relação estabelecida no filme entre aquilo que é sagrado e o lugar onde se mora, dentro do recorrente universo [para os cariocas ao menos] das remoções. Marina Meliande comentou que Mormaço nasceu de uma “profunda sensação de incômodo e indignação ao assistir esse processo de mudança da cidade [do Rio de Janeiro]”; começou a escrever o roteiro em 2012, quando o Rio já tinha sido anunciado como sede das Olimpíadas de 2016, e os preparativos para a Copa do Mundo estavam também em andamento. 

Assim, surgiram notícias sobre possíveis comunidades a serem removidas, o que gerou a inspiração para o roteiro que abordava inicialmente uma comunidade fictícia, e só depois localizou-se na Vila Autódromo. Na Vila Autódromo conheceu fortes lideranças femininas “que tinham uma profunda sensação de ligação àquela terra, àquele chão, às memórias”, depois transformadas em símbolos de resistência de uma das poucas comunidades que não sofreram remoção total (20 famílias permaneceram no território, segundo Marina). Aqui aproxima-se o sagrado.

O mediador questionou Felipe Braga sobre a aproximação com o filme de horror e o corroteirista quis complementar a fala de Marina em torno do sagrado. “O começo do roteiro que a Marina trouxe era o conceito da ideia de que a transformação da cidade construiria ou destruiria uma transformação concreta no corpo da protagonista”, disse Felipe na busca de construir um elo da “alienação do corpo em relação ao espaço”.  Disso surgiu a necessidade, para o corroteirista, de uma maior convivência com moradores da própria comunidade, no sentido também de compreender a fixação das pessoas no lugar onde se estabelecem.

Em seguida, Heffner perguntou a Dina Salem como construiu o conceito de cidade mostrado no longa e trabalhou em especial a cor branca. A diretora de arte ficou surpresa com o comentário sobre o branco e respondeu que seu uso “tinha muito uma coisa da luminosidade, do verão, do calor, da gente tentar transmitir um pouco essa sensação muito corporal do verão do Rio de Janeiro, e como a umidade, a densidade do ar estariam também refletindo no corpo dela [da protagonista], nas sensações dela como moradora do Rio e (…) como que aquela tensão estaria transformando o corpo dela”. Reforçou a busca constante da equipe pelo estabelecimento da relação corpo-casa, e consequentemente como a doença de Ana passaria de sua pele para as paredes do apartamento.

André Mantelli foi perguntado sobre seu histórico de luta ao lado de comunidades em enfrentamento com o poder público e como ele fora levado para dentro do filme. O fotógrafo conheceu a Vila Autódromo em 2012 e afirmou que os megaeventos funcionaram como uma “desculpa de projeto econômico ou de desenvolvimento entre aspas (…) para suplantar culturas”. 

Após um comentário sobre seu trabalho ao lado de comunidades não-representadas na mídia tradicional, afirmou que entendera o filme como uma nova e poderosa plataforma de visibilidade. Uma membra da plateia pediu para que a equipe comentasse a semelhança da personagem Domingas com Dona Penha, símbolo de resistência da Vila Autódromo, e o papel da liderança feminina em Mormaço. Marina Meliande concordou com o paralelo feito pela espectadora e confirmou Dona Penha como uma referência para a personagem, mas também que a própria atriz Sandra Maria representa uma das lideranças da comunidade.

Heffner aproveitou para perguntar a Sandra sobre o processo construído entre sua vida na Vila Autódromo e a atuação no longa. Emocionada, ela definiu a experiência como impactante em especial porque as filmagens ocorreram ao mesmo tempo que o desenrolar das remoções. Sandra finalizou sua fala marcando Mormaço como um filme importante para além de sua vida particular, e sim para a História como um registro dos acontecidos na comunidade naquele momento: “A Vila Autódromo se tornou emblemática como resistência, é uma referência de luta contra as remoções não só no Brasil, mas no mundo inteiro. A Vila Autódromo acaba sendo objeto de pesquisa para teses de doutorado, de mestrado, graduação, muitos filmes, documentários, vídeos. (…) A nossa luta ficou registrada como arte também. Daqui a 50 anos, acho que vai ter alguém assistindo o filme Mormaço e tomando conhecimento da história da Vila Autódromo, porque certamente não vai ser ensinada nas escolas.”, arrematou a atriz.





Voltar