Publicado em 12/10/2016

Por Carlos Alberto Mattos

Leva uns bons 15 minutos até que o espectador desavisado tome pé na história contada em Galeria F, daí ser bom dar uma sinopse logo de princípio: o protagonista é Theodomiro Romeiro do Santos, ex-militante do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), preso em Salvador em 1970. Ao resistir à detenção e para proteger um companheiro em fuga, ele atirou em dois sargentos, um dos quais veio a morrer. Theo então tornou-se o primeiro condenado à morte no Brasil republicano, pena mais tarde comutada para prisão perpétua. Depois de nove anos de cadeia e muita tortura, vendo-se excluído da Anistia e temendo ser morto no presídio, ele empreendeu uma fuga aventurosa pelo interior da Bahia antes de se exilar na França até 1985. A igreja progressista foi providencial na organização de sua sobrevivência.

Hoje um pacato juiz trabalhista aposentado, Theo refaz aquela viagem diante da câmera de Emilia Silveira, apresentando os cenários da fuga ao filho que nasceu do seu casamento na penitenciária Lemos Brito, em Salvador. A Galeria F era a ala destinada aos presos políticos. Se não cede à emoção de retornar a celas, esconderijos, igrejas e fazendas por onde passou, Theo demonstra uma memória prodigiosa para detalhes e fornece reflexões proveitosas sobre a condição de preso político, a maneira de lidar com o medo e com a passagem do tempo. Seus encontros com outros companheiros trazem à tona pormenores curiosos sobre a vida carcerária, ajustes de lembranças e ecos de sonhos utópicos do período em que estes ainda pareciam possíveis. Aqui e ali, aqueles jovens senhores parecem meninos recordando travessuras de anteontem.

Seguindo-se ao também essencial Setenta, doc sobre os presos políticos libertados em troca do embaixador suíço sequestrado em 1970, Galeria F leva adiante o trabalho de Emilia Silveira (com Sandra Moreyra, jornalista morta em novembro último) no sentido de desenterrar histórias daqueles tempos negros ainda não contadas no cinema. A viagem de Theo com o filho dá ao filme uma dimensão pessoal e placidamente comovente, tal como as fotos de família que pontuam a narrativa feito resíduos lancinantes do passado. Galeria F deve ser aproximado de A Noite Escura da Alma, o novo doc de Henrique Dantas que detalha os suplícios dos presos políticos baianos no tristemente célebre Forte do Barbalho.




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