Publicado em 13/10/2016

Por Carlos Alberto Mattos

Antes de ganhar o título PARA TER ONDE IR, o filme de Jorane Castro se chamava “Amores Líquidos”. Tinha muito a ver com essa história de três mulheres que vivem à borda d’água (em barcos, palafitas, em busca de ilhas misteriosas). Vivem à borda de tudo, na verdade. Saem de uma beira-mar em direção a outra, de Belém às areias extensas da Praia do Atalaia, em Salinas. Eva (Lorena Lobato), a mais madura e rica, carrega um ar sombrio cuja origem só saberemos no final. Melina (Ane Oliveira) padece de um abandono amoroso e está em busca de outro cais. Keithy (a cantora de tecnobrega Keila Gentil) tem uma parte do passado que rejeita e outra que tenta recuperar. Juntas, elas pegam a estrada no rumo de algum encontro, talvez o de si mesmas.

Esse é o primeiro longa de ficção paraense em cerca de 40 anos e tem um forte aporte pernambucano na produção. Jorane tem sido uma diretora criativa e sensível em curtas como “Invisíveis Prazeres Cotidianos” e “Ribeirinhos do Asfalto”, nos quais procura plasmar o espírito de um Pará moderno e sensorial. Nesse primeiro longa, ela confirma o feeling de esteta para criar imagens de grande beleza e burilar uma narrativa original e aliciante. O road movie avança por estradas vicinais, sem nunca ceder ao óbvio. Há um respeito pelo tempo, a sensorialidade e as sonoridades amazônicas, sem que isso signifique cair nos lugares-comuns da região. A começar pela luz de inverno que banha o filme numa melancolia muito afeita às personagens. As imagens ora seduzem pela composição visual, ora instigam a curiosidade pelo desenho oblíquo e a descentralização dos motivos cênicos. Um duradouro mistério se mantém em torno das motivações das moças pela forma como são montados os diálogos, num permanente processo de ocultamento e revelação dos interlocutores. As atuações são repletas de uma intensidade sutil e de uma espontaneidade documental realmente raras.

PARA TER ONDE IR é um filme profundamente feminino em suas derivas e aberturas para o inesperado. A natureza amazônica, com suas aves migratórias, ventanias sibilantes e águas abundantes, agrega uma camada mitológica à viagem das três graças (ou Ofélias?) de Jorane. O destino, mais que um objetivo, é um abraço poético na cumplicidade feminina quando o mundo masculino parece tão estranho quanto um disco voador numa praia do Pará.




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