Publicado em 12/12/2019

A mostra Première Brasil: Novos Rumos exibiu o documentário Chão (2019) em sessão seguida de um debate com os realizadores. O longa-metragem de 110 minutos retrata a ocupação Leonir Orback do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no terreno da Usina Santa Helena, no sul de Goiás. 

O debate, mediado pela documentarista Beth Formaggini, contou com a diretora, roteirista e diretora de fotografia Camila Freitas; a editora e roteirista Marina Meliande; o diretor de produção e produtor executivo Douglas Duarte; e Bento, membro da ocupação em questão e personagem do filme.

Chão desenvolve-se num contexto em que a Usina Santa Helena, produtora de açúcar e álcool em processo de falência, é ocupada por cerca de 500 famílias integrantes do MST que exigem a adjudicação daquelas terras, então pertencentes a devedores da União. A partir do retrato do cotidiano de reuniões, discussões e ações organizadas do movimento, acompanhamos a luta constante dos integrantes pela transferência de terras da Usina.

Dando início à conversa, Beth Formaggini questiona à diretora como se deu a parceria com o MST e à editora sobre as escolhas de montagem e narrativa. Camila Freitas explica que em 2002, ainda na Universidade de Brasília, realizara um curta-metragem sobre uma comunidade camponesa pressionada a deixar suas terras por um latifundiário; tendo crescido no local, relacionava-se especialmente com aquela paisagem, que seria ocupada em 2014 por 3.500 famílias do MST de Goiás; foi daí em diante que a diretora se aproximou do movimento.

"Não existe como não fazer 'com' o Movimento dos Sem Terra. São pessoas muito conscientes da sua imagem, da sua potência como movimento, (...) da potência da arte do cinema", complementa. Por meio de pesquisas e contatos chegou ao conhecimento de Santa Helena. Em torno da estética do documentário, Camila afirma: "os planos gerais e os planos fixos vêm muito de uma vontade que eu tinha de pensar essas transformações políticas e o próprio movimento a partir da paisagem".

Devido à grande quantidade de filmagens (o material fora gravado ao longo de aproximadamente dois  anos), para Marina Meliande existiam vastas possibilidades narrativas para o documentário. Os realizadores procuraram não recair, por um lado, nem num filme de grandes ações, nem num de figuras isoladas, por outro. Havia também uma preocupação em criar identificação do público das grandes cidades - normalmente distanciado das lutas campesinas - com os membros da ocupação. 

Marina ressalta, portanto, a existência de tamanha responsabilidade na montagem quanto à representação e desmistificação dos integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Aqui cabe uma pontuação de Camila Freitas em torno da urgência de Chão retornar às narrativas mais íntimas e menos voltadas às questões conjunturais da macropolítica brasileira.

Segundo o produtor executivo Douglas Duarte, seu principal desafio era construir uma estrutura de produção que acompanhasse o ritmo do MST, de modo que houve necessidade de desmembrar temporalmente as filmagens pela região. Em consequência, Bento, membro da ocupação Leonir Orback, afirma que Camila passou a viver a vida do acampamento ao longo dos meses de convivência.

Quando perguntado por uma espectadora sobre a mística e a 'rebeldia necessária' - termo que se torna um tipo de motivo no longa -, Bento explica que, apesar da pacificidade do Movimento, em momentos como aqueles de ocupações de terra ou bloqueios de vias de trânsito, a rebeldia faz-se necessária. "O lema do movimento é 'romper cerca', (...) mas pra quê a cerca se somos todos irmãos?&".

Em termos conceituais, Camila Freitas orientou-se pelo pensamento de Milton Santos e Michel Foucault acerca dos "regimes diferentes de um espaço que convivem no mesmo lugar"; buscou pensar via imagens e sons a construção daquele espaço em que se assenta Chão. Finalmente, a sessão é embalada pela palavra de ordem "rebeldia necessária pra fazer reforma agrária!", orientada pela voz de Bento.

Por: Mariana Ísis

Foto: Luiza Grün




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