Réquiem para a cidade do Cairo, por Tamer El Said
Por Aisha Rahim (Talent Press Rio)
Em Nos últimos dias da cidade há um desconsolo típico de um requiem. Não sabemos quem contamina quem nesse sopro de morte: se a cidade de Cairo, nas vésperas da Primavera Árabe, sufocada pelo regime de Hosni Mubarak ao longo de 30 anos; se a personagem de ficção, que surge cruzada com essas imagens documentais. A realidade filmada pelo realizador egípcio Tamer El Said é aquela de 2009, dois anos antes do movimento revolucionário que tomaria seu país. Não por acaso, na parte ficcional, temos um realizador perdido na montagem do seu filme e também da sua vida: a mãe está no hospital em estado terminal, a namorada prestes a deixar o país, e ele à procura de um apartamento numa cidade que parece em escombros.
Que função cabe ao cinema no intervalo entre esses dois movimentos – aquele que vem das ruas da capital egípcia e aquele que vem do interior de Khalid? O primeiro longa-metragem de El Said, que passou por festivais importantes como Berlim, responde-nos com mais perguntas. Estamos enclausurados no título, que eloquentemente aparece na tela encerrando o filme. Nos últimos dias da cidade projecta-nos assim num outro mundo de questões. Serão estes os últimos dias de Cairo como a conhecemos ou os últimos dias de Khalid nela? Ou estaremos, antes, perante o fim da cidade enquanto Estado e espaço de cidadania?
Seja por meio do filme em si, seja por meio do filme nele contido, Nos últimos dias da cidade pergunta-nos o que o cinema pode fazer perante as crises. Ou como o realizador pode surgir como obreiro de um espaço de partilha e reconstrução.
Voltar