Publicado em 09/10/2017

Texto de Alexandra João Martins

“Se te tirar uma foto, já não és a mesma pessoa”, diz uma professora francesa a um visitante coreano, num restaurante de Cannes, sul de França. Eis a questão central de A Câmara de Claire. O realizador coreano Hong Sang-soo recupera esta velha ideia de que a fotografia, e o cinema, por extensão, como que roubam parte da alma das pessoas. E se não roubam, pelo menos, operam-na. 

É por isso mesmo que So Wansoo, o visitante, depois de retratado por esta professora francesa, vai confessar à sua companheira que já não a ama. É por isso mesmo que Manhee, uma produtora de cinema também fotografada por Claire, segue confiante mesmo depois de ter sido despedida. 

Preenchido de referências metalinguísticas, o filme traz personagens que trabalham na indústria cinematográfica. A excepção é justamente Claire, a professora, e isso não é acaso, dado que parece ser a única pessoa que, de forma amadora, recorta e captura a realidade para lhe dar um novo rumo. Não deixa de ser irónico que uma personagem externa à indústria cumpra uma vocação que é a do próprio cinema.  

O filme recupera ainda outros elementos presentes na restante obra do cineasta: o puro acaso como motor para o cruzamento das micro-histórias, a praia como lugar de reflexão, os restaurantes, o álcool, a boémia e os cigarros como lugar de desestabilização. Tudo isto banhado com amores e desamores e uma dose de ironia singela.

No plano formal, a paleta cromática pastel, os planos laterais conjuntos e o zoom, que revelam o que o som anteriormente indiciara, revelam o estilo imperturbável de Sang-soo. Por tudo isto, há quem o acuse de fazer sempre o mesmo filme. 

Mas não será esse modo único, ainda que diferencial, de criar que faz os grandes artistas? Independentemente da resposta, A Câmara de Claire inscreve-se, de forma coerente, num processo de depuração estilística característico do realizador. Na história do cinema, saberemos que um filme de Sang-soo é um Sang-soo, como, hoje, precisamos de um só plano para reconhecer um Ozu.





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