Publicado em 14/10/2016

A serpente, terceiro longa-metragem do diretor pernambucano Jura Capela, foi exibido ontem (quinta-feira, 13 de outubro) no Centro Cultural Banco do Brasil, com a presença de convidados e membros da equipe. O filme, uma adaptação da peça homônima de Nelson Rodrigues, tem como temática central o triângulo amoroso entre as irmãs Lígia e Guida, ambas interpretadas por Lucélia Santos, e o marido desta última, encarnado pelo ator Matheus Nachtergaele.

A mediação do debate que se seguiu à sessão foi realizada pela jornalista Andrea Cals, que destacou o fato de a peça em que o filme se baseia ser curta, com apenas um ato. O filme de Capela, por outro lado, tem seus 68 minutos divididos em dez atos, cada qual acompanhado por uma frase de Nelson Rodrigues. Quanto a essa decisão, o diretor explicou que seu intuito ao dividir os momentos da narrativa através de máximas do dramaturgo era fazer com que ele participasse da trama, de forma a compor uma grande homenagem à sua figura e à sua obra.

Falando sobre as referências que guiaram a construção do longa-metragem, Capela citou suas influências cinematográficas (Ingmar Bergman, Glauber Rocha e Júlio Bressane) e teatrais (Nelson Rodrigues e Shakespeare). No entanto, são os elementos recorrentes do universo de Rodrigues – polêmicos não apenas em sua época, mas até os dias de hoje - que o diretor encara como o real fundamento da narrativa. A disputa entre duas irmãs e a obsessão com a morte, conforme assinalado pela mediadora, constituem exemplos certeiros do desejo do cineasta de revisitar temáticas caras ao dramaturgo.

Questionada sobre a sequência inicial, filmada em Mariana (MG) pouco tempo após o desastre ambiental de 2015, a produtora Elaine Azevedo relatou que precisou ser convencida pelo diretor a levar a equipe de filmagem até o local. O realizador, que a princípio pensava em Lucélia Santos para interpretar apenas uma das irmãs, decidiu utilizá-la em ambos os papéis precisamente durante o ensaio na locação de Mariana. Segundo ele, a atriz se emocionou enquanto conversavam sobre os personagens de Nelson Rodrigues e, ao final, o diretor sugeriu essa “duplicação” à produtora e a Matheus Nachtergaele, que concordaram sem hesitação. “Lucélia Santos é uma força da natureza”, acrescentou.

A mediadora lembrou que algumas cenas não estão presentes na peça original, dando como exemplo um diálogo entre Cellia Nascimento, única representante do elenco no debate, e Silvio Restiffe. Capela revelou então que o objetivo inicial era fazer do filme A serpente uma obra puramente rodrigueana, apenas com cenas escritas pelo dramaturgo. Entretanto, apontou ele, nem tudo aquilo que funciona num palco de teatro pode ser levado para a tela do cinema, o que resultou em algumas sequências criadas ou modificadas.

Quanto à escolha de A serpente para adaptação cinematográfica, o diretor declarou que, pela dinâmica da escrita de Rodrigues e por se tratar de uma narrativa composta por apenas cinco personagens, foi possível transportar a linguagem teatral para a tela de maneira que os diálogos não fossem necessariamente dominantes. Ele pôde enxugar os textos originais e explorar, principalmente na sequência inicial, a representação através de imagens e músicas. “Nelson tem um jogo de montagem bem similar ao do cinema”, complementou Capela. “Eu comecei a olhar para o Nelson como se ele próprio fosse um montador de cinema”.

Texto: Paula Lacerda

Fotos: Jonathan Menezes




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