Publicado em 15/10/2016


Por: Dominique Valansi
No Festival do Rio de 2001, o público pôde conferir a estréia do primeiro e único longa-metragem do diretor Luiz Fernando Carvalho, com roteiro baseado no romance homônimo de Raduan Nassar, de 1971. A história se passa em uma comunidade rural de imigrantes libaneses, em meados dos anos 1940.

Muito fiel ao texto do livro, a história é narrada por André (personagem de Selton Mello) que se rebela contra as tradições agrárias e patriarcais impostas por seu pai, interpretado por Raul Cortêz. Ele e foge para a cidade, onde posteriormente é encontrado por seu irmão Pedro (Leonardo Medeiros) e passa a lhe contar seus conflitos com os rígidos valores paternos como a família, o tempo, a paciência e a doutrina cristã. A obra foi um imenso sucesso de crítica e recebeu mais de 25 prêmios no país e no exterior.

No dia 13 de outubro de 2016, o Festival do Rio fez uma exibição comemorativa dos 15 anos de Lavoura Arcaica, com a presença de Walter Carvalho, diretor de fotografia do longa-metragem, o protagonista Selton Mello e a produtora, Raquel Couto.

“É muito difícil não ter essa noite como algo emocionalmente forte para todos que estão aqui. Provavelmente a metade dessa platéia – tem muita gente jovem - está vendo o filme pela primeira vez. A outra metade já viu e está revendo. Ter noites tão emblemáticas é muito importante, ainda mais este filme que se mistura a história do Festival do Rio e com a história do Grupo Estação, em nossa sala mais emblemática. Eu lembro que quando nós começamos, um grupo de jovens a fazer o Estação, uma das coisas que mais me envolvia com o nosso trabalho era o fato de que eu podia entrar nessa sala, sentar e entrar dentro do filme. Esta experiência do cinema como transe é uma parte da minha ligação com o cinema e parte da ligação de muita gente com o cinema. Lavoura é um desses filmes que me coloca no transe. Ele me permite entrar por uma via que eu não sei qual é, mas não se trata só de cinema. É uma coisa de um inconsciente, que me faz entrar e sair do filme. E o longa continua sendo um dos grandes clássicos, um dos grandes momentos do cinema brasileiro. Para nós é muito importante esta noite, é uma grande honra receber todos vocês”, contou emocionada Ilda Santiago, diretora do festival e do Grupo Estação.

Quem também derramou lágrimas na apresentação foi Walter Carvalho. No longa-metragem, ele trabalhou a fotografia de forma primorosa, com muitos contrastes de luz e sombra, como pinturas clássicas de Vermeer ou Goya. É clara a experimentação, que traz ousadias como planos fora de foco e saturação de cores.

“Eu queria ser um ator uma hora dessa porque ator sabe controlar a emoção. Eu não sei. Primeiro, eu gostaria de registrar essa iniciativa do Festival de homenagear o filme e a ideia do Luiz Fernando de passar em película, 35 milímetros. E o interessante é que não é uma cópia nova, não tem mais como fazer. Então vamos ter o sabor do cinema que podemos tocar nele. Cinema que existe. Que não é uma equação matemática. Eu realmente fico muito feliz de saber que tem jovens que nunca viram o filme. Jovens que estudam cinema, que fazem cinema, que querem fazer cinema, que gostam de cinema e vão ao cinema. Lavoura Arcaica ao lado de Vidas Secas e Deus e o Diabo na Terra do Sol, eu assisto pelo menos uma vez por ano. Para não esquecer que pertenço à família do brasileiro. Então é muito importante isso que o festival está fazendo de trazer essa juventude para ver Lavoura Arcaica 15 anos depois em película”, contou, arrancando aplausos da platéia.

O ator Selton Mello lembrou que o longa-metragem foi produzido em 1998, então para ele aquela era uma comemoração de 18 anos. “Lavoura Arcaica foi uma aventura emocional, radical, fundamental. Que me apontou caminho, que me tirou o chão e me floresceu. Que acabou comigo e me renasceu. Foi uma pedra fundamental. Eu sou outro depois desse filme. Ele me deu coragem. Me deu a verdadeira dimensão da minha profissão. Tudo depois do Lavoura foi diferente. Todas as minhas escolhas afetivas, estéticas, foram totalmente modificadas depois dessa experiência. André para sempre no peito, na alma, na carne, no sangue. Quero celebrar o prazer de ter feito esse trabalho e toda uma equipe extraordinária que acabou gerando um filme muito forte”.

Em nome do diretor Luiz Fernando Carvalho, subiu ao palco um refugiado sírio da guerra em Alepo. “Quinze anos atrás, Lavoura Arcaica foi exibido pela primeira vez no Brasil exatamente dentro deste festival. Hoje, é com muita honra que estou aqui para representar o diretor na homenagem a seu filme. Entre as inúmeras reflexões que Lavoura propõe, podemos entender o filme como uma grande metáfora política, mostrando a luta entre opressores e oprimidos. A tradição versus a liberdade individual. O extermínio das liberdades, sejam elas individuais ou coletivas, nos levam às guerras, gerando milhares de excluídos no mundo todo. Eu aqui nesse momento, represento cada um deles. Mas represento também a utopia por um mundo melhor. Mais belo e justo para todos. Gostaria de agradecer a presença de vocês e desejar um bom filme a todos”.

Quinze anos depois, Lavoura Arcaica reforça toda a sua potência. Em um paralelo com Heráclito de Efeso, que afirmou que “Nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio... pois na segunda vez o rio já não é o mesmo, nem tão pouco o homem”, um novo mergulho no filme é uma experiência nova e ainda transformadora.




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