Publicado em 27/09/2014

A obra do multiartista Rodrigo de Souza Leão é tão plural que qualquer tentativa de documentar seu trabalho e sua curta trajetória (o escritor faleceu em 2009, aos 43 anos) esbarra na necessidade de coordenar as múltiplas linguagens artísticas pelas quais ele enveredou. O documentário de Letícia Simões aborda com delicadeza e inovação vida e obra do escritor e jornalista carioca, também poeta e músico – com incursões nas artes visuais e plásticas.

Em Tudo vai ficar da cor que você quiser,o autor de Todos os cachorros são azuis, Carbono pautado e Me roubaram uns dias contados é evocado por meio de um excepcional trabalho de montagem. A partir de materiais audiovisuais de arquivo, depoimentos de amigos, familiares e dos trechos da própria obra de Souza Leão, o filme se esforça para imprimir a mesma estética ruidosa, suja e fragmentária que constitui a marca do artista.

Essa afinação estética entre o filme e o trabalho de Souza Leão, com todos os seus diferentes matizes, conforme observou o mediador Sergio Mota, professor de comunicação da PUC, resulta, portanto, de um trabalho de pesquisa apurado por parte da diretora Letícia Simões e do roteirista Ramon Nunes Mello, curador e organizador da obra de Rodrigo de Souza Leão. “Havia uma preocupação de que o documentário tivesse a cara do Rodrigo”, disse Simões, ao que Sergio Mota completou, ressaltando a originalidade de uma certa “compulsão biográfica”, caleidoscópica, realizada pelo filme, como se Souza Leão desempenhasse diversos personagens a um só tempo.

O papel da sujeira, de uma estética radiofônica e do VHS, mimetizados a partir das referências punk dos anos 1980 – meio no qual Rodrigo esteve inserido durante sua juventude – é fundamental, afirma o montador do filme, Vinícius Nascimento. “A montagem é um personagem no próprio documentário”, concorda o mediador Sergio Mota, e Nascimento então esclarece que todo o processo de montagem foi minuciosamente planejado, e que eles tiveram a preocupação de usar o programa de edição mais rudimentar existente para que o resultado fosse semelhante, isto é, mimético ao que Rodrigo de Souza Leão teria produzido na realização de seu próprio documentário.

A ideia de um filme como um fanzine é, portanto, posta em prática em Tudo vai ficar da cor que você quiser, com uso de colagens, sobreposição de vozes, polifonias e profusão de cores; um trabalho gráfico que copia com cuidado e uma tensa suavidade a própria estética particular de Souza Leão, celebrando-a, e que, em última instância, responde favoravelmente ao desejo expresso, porém hesitante, do próprio autor, de que houvesse, sim, vida em sua obra. 

Texto: Rita Isadora Pessoa

Fotos: Giulia Accorsi





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