Publicado em 14/12/2021


Depois da tempestade de domingo, veio a agitação no lugar da bonança no primeiro debate da Première Brasil de segunda-feira, 13/12. Com mediação da professora de cinema Denise Lopes, o realizador do curta Depois quando, Johnny Massaro; o diretor do longa Rolê - Histórias dos rolezinhos, Vladimir Seixas; e seus personagens Jefferson Luis, Priscila Rezende e Thayná Trindade conversaram com o público presente no Estação NET Botafogo. A sessão teve aplausos em cena aberta e o clima permaneceu empolgante durante a troca de ideias.

Massaro conta que seu projeto começou quando comprou um fone de ouvido sem fio e descobriu que causava câncer. Sem saber o que fazer com ele, vendeu e passou a se sentir culpado e questionar desde sua índole até a sociedade. Inspirado numa entrevista da cineasta Agnès Varda, o cineasta filmou no próprio bairro, prédio, academia, ruas que frequenta, e se diz feliz com a maneira como a obra gera reflexões sobre o capitalismo. Assumido como uma crítica do realizador à si mesmo e ao egoísmo em geral, o curta, na intenção de Johnny, conduz ao pensamento de como sair dessa situação e do que estamos esperando para mudar.

Uma obra, portanto, urgente. Assim como Rolê, adjetivado desta maneira pela moderadora do debate. Desdobramento do curta Hiato, feito por Vladimir em 2008 e que revisita uma polêmica ocupação realizada em 2000 no shopping Rio Sul, o documentário busca correlacionar diversos atos do tipo ao longo da história nacional. Segundo o realizador, o foco é nas vidas das pessoas pretas e no rolê como ato extraordinário de afrontar e confrontar. A construção narrativa foi fabulada junto com os personagens principais e os três ofereceram seus depoimentos a respeito da experiência.

Jefferson Luis, apontado como uma espécie de líder pioneiro da onda rolezeira de 2013, lembra que cinco mil pessoas compareceram ao passeio nº1 convocado por ele e que a ideia era circular sem medo e lutar pela presença naquele espaço. O jovem critica a forma como a mídia categorizou negativamente os protestos e manipulou até sua imagem, pedindo pose de mau nas fotos, por exemplo. "Esse filme foi a melhor coisa que consegui fazer na minha vida, porque não é só por mim, é pelos jovens, as pessoas da quebrada, de classe baixa...", afirma Jefferson, bastante emocionado.

Thayná Trindade comenta sobre a filha, que também aparece na produção, notando como é uma criança que cresceu entendendo a própria estética, valorizando o cabelo crespo, sem ter de passar por processos agressivos de alisamento e transformação que eram comuns em gerações anteriores. Thayná sofreu ataques racistas por parte de um vendedor num shopping em Niterói e Rolê registra uma performance responsiva feita por mulheres negras no mesmo local tempos depois. A ação foi coordenada pela artista mineira Priscila Rezende, que fazia a tal performance, chamada Bombril, desde 2010. O ato de esfregar o cabelo crespo em utensílios domésticos metálicos choca e explicita o absurdo da cena e da ofensa corriqueira, ela detalha, reiterando que os negros ainda são objetificados e subalternizados na sociedade e que os comentários nunca são "só uma piada". "Não é vitimização [...]. Nossa realidade é essa, não somos bem-vindos nos lugares", diz Priscila, que menciona por fim que quem não vive isso não consegue entender o que é a perseguição e vigilância em todos os espaços.

Texto: Taiani Mendes
Foto: Frederico Arruda

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