Publicado em 08/10/2017

Texto: Maria Cabeços
Fotografia: Junior San'tanna

O documentário abordado no debate de hoje (domingo, 8) foi Piripkura, mediado pela Natália Viana. Os participantes do Cine encontro foram os diretores Mariana Oliva, Renata Terra e Bruno Jorge, juntamente com Tica Miname, representante do Green Peace, Sonia Guajajara, líder indígena, Ellen Barreto do Instituto da República e Conrado Otávio do CTI (Centro de Trabalho Indígena). Um dos personagens principais do filme, Jair Candor, servidor da FUNA, também estava presente, porém, preferiu sentar junto a plateia.

Mariana Oliva, diretora e produtora, contou como ocorreu o processo de inicialização do documentário. “A gente fez o registro de uma formação da Funai, e, como documentaristas não resistem em conversar com todo mundo e conhecer histórias, quando a gente conversou com o Seu Jair, a empatia foi imediata e esse entendimento que está além das questões dramáticas, houve um encontro de almas. Não tinha como a gente não se comprometer com o filme e a partir disso a gente foi trilhando esse caminho junto com ele”.

Bruno Jorge, responsável pela fotografia, revelou que, na primeira expedição da produção em que participou, havia cinco pessoas, mas esse número foi reduzido para causar uma imagem mais intimista, o que resultou em apenas ele ser o responsável pela captação das imagens. “Percebemos que precisaríamos dar uma reduzida para facilitar tanto em uma questão técnica quanto para lidar com os sujeitos”, disse. 

Além disso, explicou como foi enfrentar a barreira da língua com os índios da tribo Piripkura, “Em um determinado momento eu senti que a única forma possível de estabelecer uma conexão minimamente viável era o gestual. A câmera em si, para eles era absolutamente indiferente”.

Sonia Guajajara esclarece que o objetivo é a luta pela causa, “A fronte da questão é entrar na causa indígena e lutar por ela. Não só para um, mas por todos. Se você lutar para garantir aquele modo de vida você está garantindo para todo mundo”. Explica, também, que a perspectiva do telespectador não deve ser de piedade, mas de valor à resistência e de contribuição ao povo indígena. “Acho que precisa entender é que querem de jeito nenhuma piedade. A gente quer que as pessoas olhem para um outro lado, como a potência que são os povos indígenas para a preservação e o quanto que nós fazemos o bem para todo mundo. Tem que saber como valorizar o poder das pessoas que estão todos os dias resistindo para sobreviver”.

Outra questão importante abordada pelo filme, é a dos direitos indígenas, que servem não apenas para os classificados como isolados, mas para os que já estão adaptados a nossa cultura urbana. “Para as pessoas que veem pela primeira vez a realidade do isolado, é preciso pensar também que não é só assim. Tem, também, os outros que estão em contexto urbano em uma situação que não é diferente. Estão tão vulneráveis, quanto os que estão no mato. Estão aqui na sociedade, abandonados”, disse Guajajara.

Tica Miname fortalece esse pensamento ao citar Jair Candor. ‘‘Ele conta que, em 1960, qualquer branco poderia matar um índio sem que nada acontecesse’. Acho que ainda não saímos de 1960. O que eu vejo é uma política que tenta jogar a gente para esse tempo, e, nesse sentido, acho que o filme tem um patamar bastante importante. É uma narrativa muito delicada ao abrir questionamentos sobre essa política de dominação”. Em seguida, Jair completa que na época em que era jovem, os seringueiros matavam os índios como se fossem animais de fato. 

“Eu, quando cheguei em Rondônia, eu era bem criança e já fui morar em seringal, então, isso ocorria com bastante frequência na região. Acho que ela [Miname] está certa e não dá pra ficar parado vendo isso acontecer, daí não é uma ou duas pessoas que vão conseguir mover o mundo, mas se é pra isso, então vamos tentar mudar pelo menos um pedacinho do Brasil”.

Para finalizar, Miname ressalta a postura persistente dos índios. “Eles resistem ali e a gente teve o privilégio de estar nesse momento. Eu acho que a grande reflexão e provocação que temos que fazer, para nós como sociedade brasileira, de descolonizar o pensamento. A gente continua perpetuando esse pensamento de colonizador e acho que já está na hora de da sociedade perceber que existem outras formas e realmente valorizar a diferença”.



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