Publicado em 07/10/2017

O Cine CCLSR Odeon Net Claro estava lotado para ver e ouvir as muitas histórias dos cantares e poemas da língua portuguesa que dão ritmo às cenas de Karingana - Licença Para Contar, de Mônica Monteiro, que teve sua estreia dia 6 no Festival do Rio 2017.  O filme tem como fio condutor um recital de poesia concebido por Maria Bethânia, com dois músicos e a participação especial de dois escritores, o moçambicano Mia Couto e o angolano José Eduardo Agualusa. 

_ É uma alegria imensa estar ao lado de Mingas e José Eduardo Agualusa para festejar a poesia da língua portuguesa que nos une aqui _ disse Bethânia.

Na estreia do filme, a cantora moçambicana Mingas subiu ao palco, ao lado de Maria Bethânia, de José Eduardo Agualusa, da diretora do filme, Mônica Monteiro e da diretora do Festival do Rio, Ilda Santiago. Mingas cantou à capela uma canção popular moçambicana em duas línguas, um idioma local e em português. Sentados na plateia estavam artistas como Antonio Pitanga, Cassia Kiss, Malu Mader, entre outros. O filme foi muito aplaudido no final da exibição por uma plateia encantada pelas histórias de Moçambique, Angola e Brasil.

_ Kaningana quer dizer: "Dá licença para eu contar uma história". E em Moçambique as histórias também são contadas no ritmo e nas palavras das músicas. Eu aprendi esta música que vou cantar aqui com a minha mãe, desde muito pequena _ disse Mingas.

A voz belíssima de Mingas encantou o público que ouviu aquelas palavras em dois idiomas. A cantora também está na primeira cena do filme, convidando a plateia a acompanhar as muitas histórias da língua portuguesa que ali serão narradas por diferentes vozes de Moçambique, Angola e Brasil. No recital de Maria Bethânia, desfilam textos de Mia Couto, José Eduardo Agualusa, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa, José Craveirinha, Caetano Veloso, entre outros.

_ Foi para mim uma grande alegria acompanhar a viagem de Maria Bethânia a Maputo, para conversar com poetas e artistas moçambicanos e apresentar o recital. A presença de Bethânia transformou toda uma geração de artistas e escritores moçambicanos assim como tenho certeza de que ela também saiu transformada dessa viagem e da conversa com os escritores. Foram muitas histórias, muita poesia e muita música. Os cantares e falares da língua portuguesa, que unem Brasil, Angola e Moçambique, estão ali, naquelas conversas, naquela poesia e naquela música.

Moçambique tem 22 línguas nativas diferentes em seu território. Variam de acordo com a região e a origem da população local, mas todas as regiões têm em comum a língua portuguesa, ensinada nas escolas e transformada em elo de ligação entre as muitas comunidades que convivem na capital, Maputo, e em outras cidades do país. O filme mostra o recital de poesia, entremeado com muitas cenas da viagem de Bethânia e com muitas conversas com estudiosos da língua portuguesa.

Um dos momentos mais emocionantes do filme é ver Maria Bethânia dizer as palavras do moçambicano José Craveirinha no poema Quero ser tambor:

Tambor está velho de gritar 

 Oh velho Deus dos homens 

 deixa-me ser tambor 

 corpo e alma só tambor 

 só tambor gritando na noite quente dos trópicos. 

 Nem flor nascida no mato do desespero 

 Nem rio correndo para o mar do desespero 

 Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero 

 Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero. 

 Nem nada! 

 Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra 

 Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra 

 Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra. 

 Eu

 Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala

 Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra 

 Só tambor perdido na escuridão da noite perdida. 

 Oh velho Deus dos homens 

 eu quero ser tambor

 e nem rio 

 e nem flor e nem zagaia por enquanto 

 e nem mesmo poesia. 

 Só tambor ecoando como a canção da força e da vida 

 Só tambor noite e dia 

 dia e noite só tambor 

 até à consumação da grande festa do batuque! 

 Oh velho Deus dos homens 

 deixa-me ser tambor 

 só tambor!





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