Publicado em 15/10/2022

O drama Fogaréu encerrou a tarde de debates da Première Brasil no Cine Odeon nesta sexta-feira (14). O palco foi ocupado por diversos integrantes da equipe e do elenco e a conversa foi mediada pela professora Denise Lopes.

Flávia Neves, diretora estreante, soube da história real por Miguel Freire, seu professor na UFF, que morou em Goiás. Oriunda de Goiânia, ela não tinha conhecimento da “tradição” da cidade de Goiás – antiga capital do estado –, de explorar o trabalho de pessoas neurodiversas, conhecidas localmente como “bobos”. Perturbada com a descoberta, ela – que é filha de uma mulher adotada para trabalhar em casa de família – decidiu fazer um filme sobre o assunto. Tudo é bem velado, a síndrome é considerada muito rara, só existe lá, e não foi investigada com afinco por enquanto. Sua principal referência foi a tese de doutorado “Os ‘bobos’ na tradição da cultura da cidade de Goiás”, de Marilucia Melo Meireles.

A produtora Vania Catani contou que entrou no projeto quase como por convocação. Flávia participaria de um laboratório que Catani acabou não indo e a cineasta determinada decidiu, depois desse desencontro, procurá-la em sua produtora para apresentar a ideia. “Eu li a história, fiquei assombrada e falei ‘Você tem razão, eu não tenho escolha, tenho que fazer [esse filme] contigo’”, narrou Vania, que passou a comentar sobre o assunto com todo mundo e Paulo José foi o único a responder que já tinha ouvido falar nessa particularidade da cidade.

Afirmando ter muito orgulho de ter feito Fogaréu, a produtora mencionou que o processo foi longo e a filmagem intensa. Foi a diretora quem fez o casting, escolheu a equipe e decidiu trabalhar com a Técnica Meisner de atuação, o que exigiu uma grande preparação do elenco – no que Flávia contou com a ajuda da especialista Samantha Maneschi, que também atua na trama. Bárbara Colen, que vive a protagonista, reconheceu o filme como um trabalho de grupo, em que todos estavam muito conectados, e observou que a cidade “deu o tom”, contribuindo com sua atmosfera diferenciada.

Uma espectadora questionou a decisão de contar a história nos dias de hoje, como algo atual, quando a situação já não seria tão comum, e Flávia respondeu que a exploração não acontece como antes, quando tal população era a principal mão de obra da cidade, mas ainda existe. A atriz Kelly Crifer lembrou que permanece sendo muito comum em Minas Gerais que meninas saiam do interior para trabalhar em casas de famílias. “E nós estamos falando de trabalho escravo. Como isso não existe no país? Existe em todos os estados. Lá [em Goiás], do ponto de vista de atriz, o mais forte pra mim foi o trabalho que a gente fez no asilo, porque estão lá homens e mulheres que foram pro asilo porque hoje não servem mais...”.

Kelly ressaltou a coragem de Flávia em expor isso e a importância do filme neste momento, acabando com uma invisibilidade e lançando olhar sobre um ponto que diz muito do que vivemos na sociedade brasileira: “o conservadorismo, o moralismo ditado pelos latifundiários, a dificuldade de conviver com as diferenças”. Nena Inoue, outro destaque do elenco, citou ainda a questão indígena abordada no longa-metragem, e completou: “Mesmo que não tivesse mais nada disso acontecendo, a gente tem que falar”.

Texto: Taiani Mendes
Foto: Francisco Ferraz



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