Publicado em 11/10/2023

Um idioma é mais do que um mero código de comunicação e desempenha uma função vital na transmissão de cultura, identidade e conhecimento. O documentário Línguas da Nossa Língua explora essa premissa no contexto brasileiro, abordando a diversidade linguística do país, com ênfase especial nas línguas nativas, idiomas que remente à ancestralidade africana e dialetos regionais.

Exibido no Cine Odeon - CCLSR nesta quarta-feira (11/10), o filme compete na Première Brasil. O diretor Estêvão Ciavatta disse que a ideia de contar a história da diversidade de idiomas e dialetos do país partiu de observações que fez em suas viagens pelo Brasil e por ser uma “pessoa assumidamente miscigenada” em contato com muitas culturas.

O longa-metragem retrata os esforços de povos indígenas para transmitir seus idiomas para novas gerações, a influência do quimbundo e iorubá nas tradições de matriz afro-brasileira, explica as origens do dialeto caipira e passa pelo carioquês, pela Língua da Tabatinga falada no interior de Minas Gerais e outros idiomas que compõe essa Babel nem sempre tão evidenciada em um país em que 98% da população fala português, mas onde existem mais de 160 idiomas nativos.

Além das entrevistas, o documentário conta com a voz de Maria Bethânia declamando textos históricos e poemas de Carlos Drummond de Andrade, Manoel de Barros e Mario Andrade. Caetano Veloso está entre os entrevistados, assim como a escritora Nélida Piñon, que foi a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras e faleceu pouco tempo após conversar com a equipe do filme, o que faz de seu registro em Línguas da Nossa Língua sua última entrevista concedida.

“A beleza é assumir a diversidade que a língua brasileira já tem no seu DNA, com tantas influências”, comentou Ciavatta. “Além disso, temos que cultivar todas essas outras línguas, que são visões de mundo, formas de olhar o mundo que só enriquecem a nossa existência.”

Apresentado no Festival do Rio como um filme de 118 minutos, Línguas da Nossa Língua é uma adaptação no formato de longa-metragem de uma série dividida em quatro episódios que vai estrear na plataforma HBO Max no próximo dia 14 de novembro.

Estêvão Ciavatta argumenta que seu conceitua, teoriza e defende que o idioma falado no Brasil já não é mais o português, mas sim a “língua brasileira”. O escritor Alberto Mussa, um dos entrevistados no longa, articulou no debate a ideia de que o brasileiro não pode achar que é um “europeu nos trópicos” por falar um idioma herdado de Portugal.

“A língua que falamos não é uma língua portuguesa, é uma língua brasileira porque ela incorporou elementos de diversos idiomas nativos, de idiomas africanos. É uma língua modificada pelos brasileiros”, disse. “O que constitui uma língua é seu patrimônio. A língua em si é um sistema abstrato. Quase um sistema matemático. Mas o que é uma língua de verdade? É o patrimônio de narrativas, de cantigas e poesias que é expresso dessa língua. É isso que nos diferencia dos portugueses.”

Ciavatta ainda cruzou o Atlântico para mostrar as raízes ibéricas da língua falada no Brasil, visitando a região da Galiza, na Espanha, onde ainda se fala o galego, que deriva da mesma origem que o idioma português de Portugal. Em terras lusitanas, ouviu linguistas projetarem do idioma de Camões, cada vez mais reconhecido internacionalmente na sua versão brasileira. Uma maneira de retratar isso no filme foi mostrar a influência que os youtubers do Brasil têm em dois meninos portugueses que falam com chiado típico dos cariocas e sonham em conhecer o país.

O Cacique Carlos Tukano, presidente do Conselho Estadual dos Direitos Indígenas do Rio de Janeiro, também participou do debate. Foi ele quem traduziu um mito de origem do povo tukano, que vive na fronteira do Brasil com a Colômbia, apresentado na cena inicial de Línguas da Nossa Língua. No relato, o povo tukano traça suas origens para o território onde hoje é o Rio de Janeiro. 

“Nós temos indígenas próprios dessa terra. Eu os homenageio. Eu só vejo prédios altos e chão asfaltado onde eles cantavam, dançavam e riam”, comentou o líder indígena. “Isso ficou no passado. Hoje estamos resgatando a palavra aldeia, a palavra indígena e queremos ser respeitados, sem preconceito e sem discriminação. Queremos ser tratados como cidadãos. Somos seres humanos acima de tudo. Falamos uma língua diferente, temos costumes diferentes, mas isso não quer dizer que sejamos atrasados culturalmente.”

Andréa Brazil, representou a ANTRA (Articulação Nacional de Travestis e Transexuais) no debate, uma vez que a presidente da organização, Keila Simpson, fala sobre a importância do dialeto pajubá, símbolo de resistência para a comunidade LGBTQIAP+. 

“Como travesti, entendo muito bem o pajubá, que tem um pouco do iorubá”, comentou Andréa. “É uma defesa. É uma maneira que a gente encontra para não ser entendida em certos locais e situações de risco. Nesses momentos, precisamos recorrer ao uso da língua como uma ferramenta para nos resguardar.”

Texto: João Vitor Figueira
Foto: Ian Melo



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