Publicado em 12/10/2022

O primeiro debate da Première Brasil nesta terça-feira (11) foi centrado no documentário Nossa Pátria Está Onde Somos Amados. O crítico de cinema e jornalista Luiz Carlos Merten mediou o diálogo do público com o diretor e roteirista Felipe Hirsch, a corroteirista e codiretora Juuar, e a produtora Adriana Tavares.

A primeira pergunta de Merten foi se o filme tem relação com o espetáculo teatral que o aclamado realizador estava prestes a estrear quando eclodiu a pandemia. Felipe explicou que sim, pois ambos nasceram de uma revolução despertada pela discussão do legado da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016. Ele leu uma matéria afirmando que o grande legado tinha sido a descoberta do Cais da Imperatriz e do Cais do Valongo, no centro da capital fluminense, posteriormente reconhecidos como Patrimônio Histórico pela Unesco e tratados com descaso pelo então prefeito Marcelo Crivella.

Impressionado com os fatos, Felipe foi estudar a região e encontrou documentos na USP que não estavam traduzidos para o português. A partir disso, elaborou um espetáculo chamado "Selvageria" e depois se juntou ao músico Tom Zé para pensar um segundo projeto usando a língua portuguesa brasileira como metáfora para falar de colonização - tínhamos milhares de línguas no país e hoje são apenas duzentas.

Segundo Hirsch, um assunto foi encadeando o outro, o lançamento do novo espetáculo, "Língua Brasileira", foi adiado pela pandemia e ele recebeu um convite para ocupar o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. Convocou pessoas para discutirem questões envolvendo a língua num evento e adotou como âncora do trabalho um verso simbólico de Olavo Bilac sobre o português: "És, a um tempo, esplendor e sepultura".

Falando na dificuldade de roteirizar um filme como esse, Juuar comentou as etapas do processo, que começou pela curadoria da ocupação, passou pela organização do que levar como provocações e temas, e incluiu o uso do museu como personagem central, filmado insistentemente. Ainda que tivessem os assuntos e a estrutura progressiva estabelecidos, os roteiristas foram ao evento abertos ao acaso, atentos como caçadores, e também realizavam interferências via projeções em telas e paredes. Por fim, assistiram as cerca de 50 horas de gravação e montaram o quebra-cabeça, o que Juuar chamou de seleção "dura".

Perguntada a respeito da relação com a instituição, a produtora Adriana Tavares contou que eles sempre foram muito parceiros e deram toda a liberdade do mundo à equipe. O poderoso conflito entre a língua portuguesa e as questões de Davi Kopenawa e Ailton Krenak não gerou qualquer tipo de crise, e registros que ficaram de fora do doc podem ser vistos numa nova exposição dedicada às línguas indígenas.

Com aparições em vários filmes da seleção do Festival do Rio, Ailton Krenak mais uma vez teve seu discurso corajoso e motor de desconfortos destacado pelos realizadores. Quanto ao título, Felipe revelou que ficou muito comovido ao ver a pichação de Kadu Ori com a frase - do escritor russo Mikhail Lermontov - no relógio da Central do Brasil, em 2016, e soube ali que ia falar de alguma maneira sobre isso futuramente. "Eu acho que essas pichações ficarão e elas explicarão muito sobre nós. Daí vem um pouco essa relação arqueológica da nossa língua com o futuro, através dessas marcas na cidade", concluiu Hirsch, que encerrou o debate incentivando todas as pessoas a entrarem em bibliotecas e livrarias.

Texto: Taiani Mendes
Foto: Francisco Ferraz



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