Publicado em 10/10/2022

O derradeiro debate da Première Brasil no domingo (09) teve início enquanto o público ainda se recuperava das emoções de Propriedade. Mediada pelo jornalista e crítico de cinema Luiz Carlos Merten, a conversa reuniu o diretor Daniel Bandeira, a produtora Kika Latache e os atores Malu Galli e Samuel Santos.

Daniel explicou que a história começou em 2006, como um experimento puramente formal de narrativa confinada, guiado pela investigação da possibilidade de fazer um filme com uma pessoa só dentro de um carro. A partir da eleição de Dilma Rousseff e da invasão ao Complexo do Alemão em 2010, no entanto, a palavra "polarização" entrou no radar do cineasta e ele sentiu cada vez mais necessidade de entender que forças seriam aquelas do lado de fora do veículo.

“Era um filme de suspense, mas na estrutura clássica do suspense tem aquela pessoa que você torce e o lado oposto, alguém que quer fazer mal. E aí eu parti para fazer um filme de suspense duplo, em que um lado fosse o mote do medo do outro. Olhando para o Brasil de agora, acho que é assim que a gente faz uma máquina de medo”, continuou o realizador, falando ainda em incomunicabilidade e dificuldade de entender a dor e a história do outro.

“Há um equilíbrio muito delicado [...]. A gente sempre ficou muito de olho em tentar manter essa balança equilibrada para trazer as tendências à violência, as responsabilidades, os pesos das omissões de cada lado, alimentando esse ping-pong, esse crescendo, que acaba nesse paroxismo que eu acho que é o caminho, se a gente não der um freio e parar para se comunicar”, declarou Bandeira.

Malu Galli destacou a intensa curva dramática de sua personagem nas 24 horas retratadas no filme, se embrutecendo e animalizando na luta pela sobrevivência, e contou que trabalhou com o preparador de elenco Fábio Leal para criar intimidade com o carro, um espaço de ação com ares de corrida de obstáculos. Comentando a composição da personagem, Malu disse que não há psicologismo ou subjetividade, pois é uma pessoa precisando o tempo todo fazer alguma coisa, com raciocínio imediato e atenção extrema. Um “se emprestar à situação na totalidade” que ela nunca tinha feito no cinema.

O diretor Daniel Bandeira aproveitou para elogiar o curta exibido na sessão, Escasso – de Clara Anastácia e Gabriela Gaia Meirelles –, relacionando a pauta das duas obras: “Se a gente está em guerra hoje, e eu acho que a gente está, o objetivo final é a memória, a história, resgatar o que a gente é, o que a gente está fazendo neste mundo”.

O ator Samuel Santos, que vive um dos trabalhadores da fazenda, trouxe casos de violência bárbara contra negros para mostrar que fatos históricos justificam as ações dos personagens pretos no longa-metragem. “Eles não são vilões, não são pessoas más. Eles querem justiça, querem propriedade, querem a terra e o direito de poder usufruir daquilo que o Brasil, como um todo, carregou nas costas dos pretos, das pretas e dos afropindorâmicos. [...] A gente está sempre propenso a torcer para a mocinha, mas será que Teresa é uma mocinha? Pelo contrário, ela tem de tudo”.

Texto: Taiani Mendes
Foto: Francisco Ferraz



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