Publicado em 09/10/2016

Ocorreu ontem (sábado, 8) no CCBB a exibição do longa Talvez deserto talvez universo no Cine Encontro. O documentário, participante da mostra Novos Rumos da Première Brasil, acompanha os residentes da Unidade de Internamento de Psiquiatria Forense de Lisboa, que abriga criminosos considerados inimputáveis devido a doenças mentais como esquizofrenia e psicose. A sessão foi seguida de debate com a presença dos diretores Karen Akerman e Miguel Seabra Lopes, de nacionalidades brasileira e portuguesa, respectivamente, e mediação do psicanalista e médico psiquiatra Marco Antonio Coutinho.

Coutinho iniciou a discussão perguntando a origem da ideia de filmar naquela instituição. Lopes explicou que ela é parte de um grande hospital, constituído de vários blocos, em um dos quais ele e Akerman já haviam feito um filme de caráter institucional sobre psiquiatria. Na época, disse, a unidade retratada no documentário ainda estava sendo construída. Concluído o projeto, a diretora do hospital demonstrara interesse em dar continuidade à parceria e perguntou em qual setor gostariam de filmar em seguida. Quando os documentaristas cogitaram o novo prédio de Psiquiatria Forense, ela foi catégorica: “Esse não”, o que, segundo o diretor, acabou motivando a decisão final. Lopes acrescentou ainda que gosta do fato de a unidade ser nova e moderna porque representa uma quebra da recorrente associação de doenças mentais com ambientes degradados.

Akerman revelou detalhes sobre o processo de construção do documentário, contando que Lopes capturou o material sozinho, operando câmera e som, enquanto ela, do lado de fora, trabalhava na montagem com as imagens que ele trazia diariamente. Segundo a diretora, sua posição de observadora permitiu novos pontos de vista sobre a realidade da instituição, assim como uma percepção de que amizades estavam se formando entre Lopes e alguns pacientes.

Lopes relatou que filmou muito pouco. O material bruto totalizava apenas 25 horas, quando o mais comum para um documentário é que esse volume chegue a uma centena. Isso se deve tanto ao trabalho de Ackerman na montagem simultânea quanto à natureza delicada e imprevisível dos internos. O diretor contou que chegava a apontar a câmera para um espaço vazio por horas esperando alguém se aproximar. Enquanto Lopes se preocupava mais com a forma estética do documentário, Akerman explorava as narrativas presentes no material. Segundo a realizadora, vários pacientes pelos quais Lopes tinha afeição foram cortados do filme, pois não eram bons personagens.

Coutinho traçou uma comparação com a situação dos chamados criminosos inimputáveis no Brasil, onde eles ironicamente acabam sofrendo punições mais pesadas por quase nunca serem soltos, vivendo o resto da vida em instituições que misturam hospital e prisão. Lopes apontou que muitos dos sujeitos retratados no filme permanecem ali dentro por não terem para onde ir devido aos antecedentes criminais e ao repúdio da sociedade, dando o exemplo de um paciente que foi sentenciado a quinze anos de internamento e está lá há sessenta. Ele contou ainda que uma das portas do prédio estava quebrada e permanecia sempre aberta, mas ninguém nunca tentou fugir.

Quando perguntado se os pacientes haviam assistido ao filme, Lopes respondeu que sim, e que haviam demonstrado um comportamento incomum, acompanhando a narrativa do começo ao fim, inclusive repreendendo quem falasse alto durante a exibição, apesar de em geral sofrerem de uma característica falta de atenção. Ao término, quando os realizadores perguntaram o que haviam achado, um deles se manifestou: “É uma comédia, né?”.

Texto: Vinícius Spanghero

Fotos: Pedro Ramalho




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