Publicado em 13/10/2023

Marcus Faustini defende um olhar sensível e delicado para a população suburbana do Rio de Janeiro para além do mero retratro de mazelas sociais no drama Ana, exibido no Cine Odeon - CCLSR na manhã de sexta-feira (13/10), em sessão acompanhada de um debate com a equipe do filme.

Retratar a periferia carioca faz parte do cinema e da trajetória de vida de Faustini, que cresceu no conjunto Cesarão, em Santa Cruz, e representou o subúrbio em seu filme anterior, o longa Vende-se Esta Moto (2017), vencedor do Prêmio Especial do Júri Novos Rumos no Festival do Rio. “A gente vem amadurecendo de trabalho a trabalho a ideia de criar personagens que vivem a cidade”, comentou o realizador, que também é diretor de teatro, escritor e já foi Secretário Municipal de Cultura do Rio de Janeiro.

“Acho que falta a gente abordar as regiões populares a partir dos personagens e não apenas a partir do retrato social”, defendeu Faustini. “Dá para abordar questões macro do nosso país a partir do olhar dos personagens que estão num mundo ordinário. Isso pode, inclusive, abrir uma comunicação maior com o público.”

O crítico de cinema e professor Daniel Schenker, que mediou o debate, notou que a cidade do Rio de Janeiro é uma das personagens de Ana, uma obra que circula por bairros como Pavuna, Humaitá, Campo Grande, Urca e Engenho de Dentro. Faustini defende que o cinema carioca não pode obedecer a uma lógica hierarquizante ao escolher retratar mais personagens de zonas abastadas da cidade e que mostrar periferias vai contribuir para a indústria audiovisual da capital fluminense.

A personagem título, interpretada por Priscila Lima, mora no subúrbio e faz bicos na Zona Sul para sustentar a si mesma e a seu irmão, que tem um interesse crescente pela cultura drag queen, o que atrai uma resposta hostil de sua vizinhança homofóbica. A mãe de Ana morreu recentemente e ela tenta absorver essa perda na terapia, incentivada por um casal de amigas.

Também autor do roteiro de Ana, Faustini disse que produção do texto surgiu da vontade de contar uma história com um arco narrativo que definiu como clássico. “A personagem sai da ignorância para a sabedoria. Aprende algo sobre ele nessa jornada. Alguns chamam isso de jornada do herói”, avalia. Para a fotografia, assinada por Guilherme Tostes, o diretor conta que buscou organicidade e metaforizou uma câmera que “pudesse respirar junto com os personagens.” O cineasta citou como referências para este projeto diretores independentes donos de uma assinatura humanista e naturalista, como Irmãos Dardenne, Ken Loach, John Cassavetes.

“Me ver nessa tela do Odeon foi muito emocionante”, admitiu a protagonista Priscila durante o debate. A atriz considera que interpretar o papel foi algo desafiador, uma vez que sua personagem é alguém que está aprendendo a comunicar seus sentimentos no meio das pressões do cotidiano. “Essas pessoas têm muita subjetividade. Elas só não têm a possibilidade de expressar por terem outras coisas para fazer”, avalia.

Rodado de maneira independente e com recursos próprios em 2019, Ana é uma “produção de baixo orçamento que não passa a impressão de ser uma”, comentou Cavi Borges, produtor do longa-metragem: “a escassez faz você ser mais criativo. Não vejo como um problema, vejo como um estímulo”.

Texto: João Vitor Figueira
Foto: Ian Melo



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Edição 2023