Publicado em 08/10/2023

O desejo e a livre expressão da sexualidade de pessoas com deficiência pautam o documentário Assexybilidade, de Daniel Gonçalves, exibido na sessão popular da Première Brasil Debates no Cine Odeon - CCLSR. A projeção do longa, que integra a seleção competitiva de longas-metragens documentais do Festival do Rio em 2023, foi acompanhada de um debate mediado por Duda Vaismann com o diretor do filme e personagens retratados na obra.

“Para o senso comum, a gente não transa, não tem desejo, não pode ser desejado. Mas é o contrário, a gente tem desejo. A gente faz tudo o que vocês fazem e vou dizer: fazemos até melhor”, disse o diretor, que também é uma pessoa com deficiência.

Assexybilidade mescla depoimentos de 15 pessoas de diferentes orientações sexuais, identidades de gênero e deficiências, do autismo à deficiência intelectual, do nanismo à deficiência visual, que falam sobre flertes, namoro e sexo, compartilhando memórias, traumas e esperanças envolvendo relacionamentos e desejo.

“Uma coisa que eu queria desde o início era dar voz a essas pessoas, que essas pessoas falassem”, diz o diretor. “Por isso que o filme é, basicamente, um filme de entrevista. Minha maior referência são os últimos documentários do Eduardo Coutinho. Queria que essas pessoas fossem ouvidas e por isso era super importante que elas estivessem na tela o tempo todo”, comentou Gonçalves.

Além dos depoimentos, o longa-metragem também apresenta números performáticos em que pessoas com deficiência expressam seu erotismo através da arte e da dança. Há ainda cenas que o diretor define como “um teatro de sombras” que exibem a silhueta de casais com deficiência em momentos reais de relação íntima. “Foi uma escolha para deixar aquilo mais poético e não explícito”, avaliou. 

Uma dessas cenas traria o próprio Daniel, mas ficou de fora do corte final. O diretor já falou de si em um filme biográfico — Meu Nome é Daniel, que recebeu uma menção honrosa de melhor documentário no Festival do Rio em 2018 — e optou por não ser o foco direto nesta ocasião.

Daniel, entretanto, aparece em uma das sequências iniciais do filme, se filmando com um celular. A ideia era deixar claro para o público que Assexybilidade traz um diretor com deficiência que divide com os entrevistados parte daquelas vivências.

A diversidade de corpos também se manifesta nos múltiplos temas que se desenvolvem a partir da experiência de cada entrevistado. Da entrevistada que apresenta sua realidade como mulher negra e conta que já teve sua muleta confundida com um fuzil por um policial ao personagem que narra com bom humor o interesse que seu corpo desperta em outras pessoas, Daniel Gonçalves conta que o trabalho do roteiro foi saber como dosar “momentos fortes e mais pesados” com “momentos engraçados, que também são importantes”.

Cassiano Fernandes, que arrancou risadas da plateia com seus depoimentos no filme, também participou do debate e agradeceu pelo carinho. “Me senti premiado por ver que o público gostou da minha veia cômica. Isso gera um impacto positivo”, disse. João Paulo Lima, também retratado em Assexybilidade com seus depoimentos e performance de dança, disse no debate que o filme reforça um chamado para a luta anticapacitista. Pedro Petrúcio fez uma fala sobre não infantilizar pessoas que, como ele, têm síndrome de down. “Não somos anjos, não somos crianças, somos capazes de fazer aquilo que a gente quer”, disse.

Daniel Gonçalves também usou a palavra para protestar contra a falta de acessibilidade em salas de cinemas para pessoas com deficiência e obesas e propôs reflexão para pessoas sem deficiência. “Embora vocês não pensem nisso, eu espero que todos aqui envelheçam. Quando a gente envelhecer, é natural que o olho comece a falhar, que se tenha dificuldade de andar. Aí a gente vai ver o quanto se precisa de rampas.”

Texto: João Vitor Figueira



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