Publicado em 07/10/2023

Documentando com um teor crítico a maneira em que a política externa dos Estados Unidos impactou a vida social, econômica e política da América Latina do pós-Segunda Guerra Mundial até os dias atuais, o filme Utopia Tropical abriu as sessões da Première Brasil Debates na tarde deste sábado (7).

O longa-metragem analisa os altos e baixos das experiências de governos de esquerda no continente a partir das intervenções de Washington na região. Quem comanda as reflexões são o linguista e ativista político norte-americano Noam Chomsky e o diplomata e ex-Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, que se engajam em um diálogo que cobre quase um século de história.

João Amorim, filho do ex-chanceler, dirige o longa-metragem e foi franco ao dizer que gostaria de ter lançado o filme antes das eleições presidenciais de 2022. “Meu objetivo era derrubar o Bolsonaro”, comentou o cineasta. “Eu acho que esse filme não vai dialogar com um bolsonarista raiz, mas eu espero conseguir falar com as pessoas de centro e com pessoas de esquerda que podem aprender muita coisa… Eu mesmo aprendi muito. Para mim, foi como um mestrado.”

A produção do filme começou ainda em 2018, quando o projeto foi aprovado, mas os recursos para a finalização de Utopia Tropical só foram liberados após uma batalha judicial. “Houve toda uma problemática para tirar o filme do papel”, recorda o realizador. Entretanto, Amorim considera que completar a obra após o período eleitoral permitiu que ela fosse finalizada com um olhar diferente que “tornou o filme mais longevo”.

Ivana Bentes, professora da ECO-UFRJ e mediadora do debate, ressaltou que o documentário articula o conteúdo das falas de Chomsky e Amorim com uma linguagem acessível, incluindo o uso de animações. Para João Amorim, que começou a carreira como animador e tem experiência na direção de filmes infantis, a técnica traz uma leveza para a obra e ajuda a ilustrar conceitos complexos. “Se fossem só as imagens de arquivo, ia ficar mais difícil”, avalia o diretor.

A produtora executiva Sara Rocha considera que Utopia Tropical apresenta uma narrativa “densa e profunda que, ao mesmo tempo, é compreensível e palatável para todo mundo”. Ela afirma que a ideia é que o filme passe por mais festivais e que possa chegar ao circuito comercial, mesmo ciente dos desafios que se apresentam para um trabalho audiovisual não-ficcional. “A gente sabe que o documentário ainda sofre um pouco de preconceito em termos de bilheteria”, comenta. “É importante a gente trazer conteúdos que sejam bem posicionados para que todo mundo possa assistir. Por ele não ser hermético, o filme tem uma grande possibilidade de se comunicar largamente.”

Ao longo da conversa, Chomsky e Amorim abordam episódios delicados da política na América Latina do passado e presente, incluindo golpes de Estado, o problema da desigualdade social e da má distribuição de renda, além de questões da contemporaneidade, como as mudanças climáticas. Para Ivana, as duas figuras conseguem diagnosticar os problemas do presente, mas sem estimular o fatalismo ou conformismo.

“Se a gente leva para o lado do negativismo, é muito fácil você não fazer nada”, disse João Amorim, deixando claro que espera que seu filme contribua para um diálogo amplo sobre as questões que aborda. “Sou uma pessoa que busca ser otimista. A gente pode, sim, buscar soluções para as coisas. Muitas já existem, como o próprio Chomsky já falou.”

Texto: João Vitor Figueira
Foto: Ian Melo



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